sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Construindo uma nova história

Alexandre Aragão


O ano novo nos convida a uma vida renovada no empenho em construir cidades mais solidárias. A construção do bem comum requer a inclusão de todos nós cidadãos e cidadãs. E este parece ser um dos nossos grandes desafios, uma vez que nossa tradição política, desde o início, tem um forte timbre privatista.

Em 1627, frei Vicente do Salvador escreveu a primeira História do Brasil, onde registra a natureza de exploração privada das terras brasileiras pelos portugueses: “nenhum homem nesta terra é repúblico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do seu particular”. A ausência de um senso comum impedia que a terra fosse tratada como uma coisa que beneficiasse a todos os que nela habitavam.

Frei Vicente estava vinculado ao pensamento humanista cívico, oriundo de Florença, no qual se impunha o primado do direito e da justiça nos governos das cidades italianas e preconizava a submissão dos interesses privados ao interesse coletivo. Ou seja, a vida política por definição devia estar a serviço da comunidade.

Mas o cunho privado de exploração das terras brasileiras é a marca de nossa descoberta. Em 1502, o Brasil foi arrendado a uma associação de mercadores portugueses. Dois anos depois, a monarquia portuguesa fazia sua primeira doação de terras - “pelo prazo de duas vidas” - da capitania da Ilha de São João ao senhor Fernão de Noronha. Portanto, predominavam aqui atividades de interesse privado, com um forte senso de fragmentação espacial na qual os vários senhores particulares se empenhavam na exploração daquelas longas faixas de terra, cada uma com jurisdição própria. Por exemplo, em 1535, João de Barros em sociedade com Aires da Cunha eram donos de duas capitanias: a do Maranhão e a do Rio Grande do Norte. E como atesta frei Vicente, “uma vez ricos, só pensavam em levar tudo para Portugal, pondo os interesses privados na frente dos públicos”.

A execução da política de capitanias hereditárias expressava uma forma clássica de exploração colonial. Os donatários das capitanias desfrutavam de poderes quase ilimitados, dentre os quais o de aprisionar, escravizar e vender índios (Fanon, 1968).
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Como nos lembra Gilberto Freyre, em sua consagrada obra Casa Grande & Senzala, "tudo deixou-se à iniciativa particular. Os gastos de instalação. Os encargos de defesa militar da colônia. Mas também os privilégios de mando e jurisdição sobre as terras enormes e, acrescentando-se ao domínio sobre terras tão vastas, direitos de senhores feudais sobre gente que fosse aí mourejar".
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Com a introdução da escravidão negra, passa-se a ter na história brasileira indivíduos que compunham o mais degradante nível da esfera privada patriarcal: a senzala. A vida dos negros e negras africanos se dá em função do engrandecimento da vida privada dos senhores de terra. O homem e a mulher negros, ao serem trazidos da África para o Brasil, na condição de escravos, eram expropriados de seus bens, com a senzala constituindo-se como um espaço de ignomínia e privação da liberdade e da singularidade humana (Barros, 2001).
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Essa breve viagem por nossa história ajuda-nos a compreender melhor o desafio que temos na construção de uma mentalidade comunitária e participativa, uma vez que trazemos em nós as marcas dos nossos ancestrais. De fato, não é por acaso que somos campeões mundiais em concentração de renda, concentração de terra ou de mortalidade juvenil vítima da violência urbana.

Para superar essa visão privatista, faz-se necessário exercitar nosso olhar para com o outro, vendo nele um alguém com quem podemos compartilhar a vida, as riquezas da natureza e da civilização, sabendo que essa partilha gera uma felicidade maior. Afinal, como humanidade, temos a mesma procedência, o mesmo gérmen, por isso somos todos germánus, ou seja, irmãos.

Nossas cidades são o espaço real no qual podemos construir uma verdadeira comunhão social, superando os conflitos pertinentes à vida em sociedade através de uma fraternidade universal na qual cada um se sinta acolhido e respeitado em seus direitos de ser humano, contribuindo efetivamente para a construção daquilo que juntos definirmos para o nosso bem.

No dizer de Weber, "neste mundo não se consegue nunca o possível se não se tenta o impossível reiteradamente". É este o empenho que a história espera de todos aqueles que sonham com um novo mundo.

6 comentários:

  1. é nesse parâmetro que tento, dia após dia, construir um ambiente fraterno onde trabalho. escutar um 'obrigado, minha jovem, o mundo precisa de pessoas como você.' depois de atender alguém é sinal de que o bem que fazemos chega ao outro sem que percebamos!

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  2. Muito importante, Renata, construir essa atmosfera do Bem! Pouco a pouco vamos respirando novos, numa transformação eco-social-transcendental. Avante!

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  3. Meu caro companheiro e irmão Alexandre,
    Realmente o nosso desafio é muito grande, onde muitos ainda aprovam com todas as letras essa política de privatização do bem público, quando esse bem é de boa qualidade, porque se for de má qualidade é destinado aos pobres.
    É como o ensino público: o fundamental e médio, é destinado aos pobres, já o superior foi totalmente tomado pelos ricos ou por quem pode pagar uma faculdade. Mas vejo luz no fim do túnel e é seguindo essa luz que continuo na luta.
    Muita saúde e paz no ano que se aproxima, para poder enfrentarmos os desafios que virão.
    Um grande abraço em toda a tua famíla.
    Jonhson

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  4. Grande Alexandre!!!
    Ano novo, novas lutas; labutas. Que neste ano novo seja novo nosso olhar... pra renovar os compromissos e acreditar na
    esperança de um mundo novo; renovar a crença que um Deus nasce num "estábulo" qualquer, sem champanhes, sem trombetas e sem fogos de artifícios; escondido e desconhecido, e quer morar entre os homens que escolheram se tornar crianças. FELIZ ANO NOVO!

    Marcondes.

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  5. Obrigado Alexandre! Sigo teus artigos com muito interesse na Cidade Nova. Para o Ano Novo asseguro a ti e familia toda minha unidade para que Jesus no nosso meio realize os desejos mais profundos de seus corações.

    Um fraterno abraço, Corrado

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  6. Os posts do blog poderiam conter mensagens como as que você faz muito bem para a Cidade Nova, por exemplo.
    Deixo o meu agradecimento pela oportunidade de haver mais um instrumento que nos mantém em diálogo!

    Uno sempre,
    Rodrigo Hésed

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